Mãe e filho de mãos dadas trilhando os caminhos do autismo/asperger.
Numa partilha intimista e de coração aberto em sonhos e desalentos, numa vida vivida...
Ter um filho asperger não é o fim do mundo, mas o princípio de uma nova vida...
Valorizando os afectos...

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

"Um filme modelo para educação especial"

 
Mais de meio século depois, este filme permanece corajoso, forte, fascinante, impressionante. As interpretações são magníficas, e há uma série de sequências antológicas, assustadoras e belas. Até hoje, não é muito comum falar no cinema sobre pessoas com deficiência mental, ou com necessidades especiais, a nomenclatura mais politicamente correta nos tempos do politicamente correto. Em 1963, então, era sem dúvida um ato de grande coragem fazer um filme sobre esse tema. O nome do produtor explica a coragem: Stanley Kramer era um sujeito que não tinha medo de polémicas, de abordar temas difíceis.
Neste Minha Esperança é Você, a coragem do produtor une-se ao imenso talento do director John Cassavetes, tido hoje como o pai do cinema independente americano. Todas as interpretações são excelentes, e Cassavetes não tinha vergonha alguma em abusar dos "close-ups", algo de que o cinema americano não gostava muito na época, para se distanciar da sua grande rival, a TV. Burt Lancaster está perfeito. Alto, forte, atlético, figura imponente, para fazer de Dr. Clark, o director clínico de uma grande instituição para deficientes no interior de Nova Jersey. Clark é competente, abnegado, dedicado, decidido, firme como uma rocha. Exactamente o oposto da outra protagonista, Jean Hansen, que no início da ação se apresenta para trabalhar na instituição, embora não tenha experiência nem como enfermeira, nem como professora, nem tenha nunca lidado com deficientes na vida. Uma mulher insegura, temerosa, com um passado inquieto, é o papel que cabia como uma luva para Judy Garland, essa artista fenomenal e fenomenalmente problemática, actriz de cinema a partir dos 14 anos de idade. Jean Hansen, a mulher insegura como a própria actriz, de feições sempre turvadas por dúvidas, questionamentos, medos, foi o penúltimo personagem da carreira de Judy Garland. Um grande papel, uma grande interpretação. Uma das grandes qualidades da história de Minha Esperança é Você é que jovens deficientes trabalham no filme e dão autenticidade forte.
O filme quer discutir a questão de como lidar com os deficientes. E nisso reside o seu valor, e ao mesmo tempo residem as suas pequenas falhas. Parte do valor, do grande valor do filme: jovens deficientes mentais fazem parte do elenco, estão lá representando a si próprios, o que dá um tom fortíssimo de documento, daquilo que os franceses chamaram de cinéma-vérité. E Cassavetes usa e abusa dos "close-ups" dos meninos, é chocante, é apavorante, é belo, no preto-e-branco muito bem fotografado pelo mestre Joseph La Shelle. Nos créditos iniciais, explicita-se que os produtores contaram com o apoio e a orientação de uma instituição da Califórnia de educação de deficientes mentais. O filme defende a tese de que os jovens deficientes mentais, como se falava na época, ou os com necessidades especiais, como se diz hoje, devem ser cuidados em instituições especializadas, voltadas para eles, onde há apenas outras pessoas como eles. Devem sentir que estão entre pares, entre iguais; conviver com crianças diferentes deles só os fará ter mais e mais problemas. Mais ainda: eles devem ser ensinados a ter disciplina e nunca vergonha do que são; devem ser preparados para ter algum tipo de habilidade que permita de alguma forma a sua inserção na sociedade. Devem ter dignidade.
Além de defender essa tese, o filme dedica-se a demonstrar que os pais devem vencer o medo, o preconceito, e admitir o quanto antes que os seus filhos com deficiência têm deficiência. Para demonstrar isso, a trama criada por Abby Mann usa a história de um casal de classe média em ascensão social, cujo primogénito, Reuben (Bruce Ritchey), é deficiente. Tanto a mãe de Reuben, Sophie, mulher de boa formação universitária, quanto o pai, Ted (Steven Hill), arquiteto ambicioso, dinheirista, carreirista, demoram muito a aceitar o facto de que, sim, Reuben é deficiente, e fica explícito que essa demora piorou as coisas para o menino. Pai e mãe são tão incapazes de aceitar o facto que o casamento acaba um ano após o primeiro diagnóstico, que eles insistem em reverter procurando uma segunda, uma terceira, uma quarta opinião.
O filme foi realizado em 1962, tendo a sua estreia em 1963, pelo que, como é natural, se apresenta o clássico modelo de educação especial das crianças em centros especiais para deficientes. Ainda tardaria em aparecer e estender-se a ideia da integração escolar de alunos com N.E.E.. E mais ainda a ideia da educação inclusiva, vigente na actualidade.

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