Vamos esperar. A frase repete-se. Ocasionalmente substituída por outras, que são mais sinónimos: " Ainda é cedo, cada um tem o seu ritmo, tem pouco contacto com as outras crianças , nasceu um irmão..." O pediatra , a educadora os avós, o pai, a amiga... Todos vão dizendo que o coração da mãe, silencioso, grita para ouvir. Há sempre um caso que era semelhante que depois ficou bem. O tempo, os anjos, a fé e outros impulsionadores encarregar-se-ão delegados por Deus, maior ou menor, mas jamais indiferente a um pedido maternal. Não há que dramatizar..
Confiar é a palavra que a mãe tropeça todos os dias. E cada "caso semelhante", cada frase oferecida , é um bálsamo para a dor que se começa a instalar. Uma dor que vai chegando devagar. Silenciosa, subtil. Um olhar que se desvaneceu como um reflexo, palavras que foram desaparecendo e nunca mais foram ditas, um abraço que não se prolonga e uma distância que se vai estendendo. Entre um pintor e a criança que se desenha a si própria... Indiferente às cores que a mãe traz nos seus pincéis. Uma obra prima. Certamente.
Mas que se destaca na galeria da infância.Diferente de outros quadros.
Mas serão os olhos da mãe? Entre um passo de certeza e outro de dúvida, começa o olhar atento. Na festa, na saída da escola, no parque. Observam-se os outros da mesma idade, numa ânsia de medidas e comparações que se vão tornando claras, como os contornos no amanhecer. Depois começam as leituras. Nos livros, na Internet, juntando as peças do puzzle. E a certeza vai crescendo. A par dos indícios de um problema que se vai insinuando, espreitam sinais nas leituras ou numa partilha mais íntima, de que há "algo a fazer". E, independentemente das dúvidas, parece haver unanimidade quanto à importância de uma intervenção precoce. As crianças que iniciam a terapia mais cedo têm melhores resultados. Esta verdade é transversal às páginas da Internet, às folhas dos livros e das revistas às experiências que se vão ouvindo. E esta certeza cria uma urgência nos pais. O " esperar para ver" tornasse angustiante enquanto revelador de uma passividade, que tem pouco de transformadora. E os pais começam a sentir-se espectadores de um cenário que se desenrola num sentido aparentemente aleatório.
E se a Natureza se tiver enganado? E se houver de facto, um problema? Quanto tempo foi desperdiçado? Entre os pecados do excesso e do defeito, qual traz mais serenidade ao olhar para trás? Qual evita que a pergunta " e se tivéssemos começado mais cedo" se deite com os pais e acorde com eles?
Nesta viagem de meses às vezes anos, chega o momento. A porta do gabinete abre-se, os passos da criança antecedem os dos pais. Como se guiasse o caminho. A mãe inspira, até às profundezas da dor, ao avesso dos seus medos e expira, revestida da fortaleza que será sempre, guardando a cidade de que é aquele pequeno ser, como se de um útero se tratasse.
E pergunta. Olhos nos olhos de quem vai responder o que ela já sabe. Porque o tempo de espera terminou e inicia-se outra etapa. "Diga-me, o que é que o meu filho tem?"
Por Carla Almeida- Núcleo das Perturbações do Espectro do Autismo (Cadin)
Texto transcrito de uma revista de 2010