Aquele dia, por sinal dia do Pai, transformaria para sempre as nossas vidas.
Aquele bebé lindo de olhos vivos e penetrantes que não mais conseguiríamos deixar de amar.
Tudo foi planeado de modo a protegê-lo e a proporcionar-lhe o melhor. Com ele aprendemos a plenitude da vida.
Qualquer pequeno sinal nos deixava alerta; muita coisa não observámos. Recuando, agora, no tempo, estavam lá muitos sinais do autismo.
As cólicas e a obstipação crónica que, aparentemente, seriam normais, fizeram parte da fase mais dolorosa da infância, e muitos comportamentos lhes eram atribuídos.
Com poucos conhecimentos e a quase nula a informação que havia à época, por volta dos 2/3 anos do Bruno, o autismo era uma possibilidade que se nos afigurava fazer algum sentido para os comportamentos do nosso filho, mas era dúbio, pois o Bruno não apresentava os sinais clássicos do autismo e, de uma forma ou de outra, todos afastavam essa hipótese.
O nosso coração não descansou, chamem-lhe intuição ou "obsessão", mas o autismo não saía da nossa cabeça. Sem os meios atuais, socorri-me de um guia médico, e realmente algumas sinais batiam certo.
Havia uma teoria nesse guia, que atribuía a culpa às mães.
Zanguei-me com aquele senhor Leo Kanner que apelidava as mães de autistas de “geladeiras”, e jurei que desse mal o meu filho nunca padeceria. Posso dizer que talvez não tenha feito uso do melhor método, porque ele foi super mimado, provavelmente até demasiado "abafado. A tal ponto que ele criou a sua própria teoria, a da mãe “fogareira”, que o aquece e protege.
Os anos foram passando, continuo a observar o mundo, algumas vezes com os vidros embaciados. Pego no pano, dou-lhe brilho, abro a janela e mostro ao mundo o "cristal" transparente em que ele se transformou. O mundo também lhe pertence. O Bruno tem capacidades e dificuldades, e apesar dos grandes olhos abertos, não vê a maldade.
Acredita que as pessoas são todas amigas.
Algo tão simples, pode deixa-lo à mercê...
Continuo a ter necessidade de o proteger, sei que ele é capaz, mas precisará sempre deste ou de outro "escudo protetor".
Atualmente, como não encontrei respostas para esta fase da vida adulta, descobri um novo caminho, usando as suas capacidades para a representação, pouco comuns nesta perturbação, ( pois não sabem, nem gostam de fingir). O Bruno transforma-se e encarna as personagens, como se de um profissional se tratasse, e enquanto mãe não consigo deixar de me emocionar com esta metamorfose, sentindo que ele está feliz e que a sua auto estima se eleva com o reconhecimento da assistência.
Entre outras peças, o Bruno representa, a Flauta Mágica de Mozart.
Aliado a esta representação , juntei a fábula : "No mundo da Lua...? Talvez Não...",* que conta a história de um pintainho autista.
À nossa apresentação no “palco” da vida, juntei alguma informação recolhida e sintetizada- para além da minha experiência pessoal e única , assim como cada portador da perturbação autista é único.
Levamos estes “condimentos” às escolas e aos lares de idosos, um programa de voluntariado inclusão/educação - transformando aquela hora numa partilha íntima e genuína.
Temos tido um retorno positivo, de interesse e de admiração...
O meu filho mudaria os climas, (tendo em conta o seu interesse pelo tema ) e com ele só haveria climas moderados.
Eu mudaria as mentalidades, serei demasiado ambiciosa neste meu propósito?!
Felismina Viana
*autores Ana Paula Antunes e Afonso Sobral-Direitos da APPDA Setúbal
4 comentários:
Mina, a minha admiração por pessoas que têm a sua determinação é infinita.
Pode crer que aquilo que , com o Bruno tem feito, alguma coisa muda nas mentalidades.
As crianças - e até os adultos - que têm assistido aos desempenhos dele ficaram a pensar de maneira diferente.
E só isso vale a pena!
Um abraço com muito carinho e força para vós
Eu mudaria as mentalidades, serei demasiado ambiciosa neste meu propósito?!
A ambição é legítima e creio prima Mina que toda a vossa luta será recompensada.
Uma mãe nunca pode desistir!
beijinho emocionado
Fê
São
A intenção, é essa de mudar as mentalidades.
E tudo começou por aí, por perceber, a quanta ignorância havia e há em relação a esta perturbação, que abrange um número muito grande de individuos, e ao mesmo tempo, todos tão diferentes.
Beijinhos
Oh! Prima Fê!
Sempre tâo generosa nas palavras, uma mãe caie e levanta-se.
Sofre com as dores dos filhos, e suportariamos as deles se possível fosse, como não é, temos que nos cingir, em tentar mudar os olhares do próximo, para esta perturbação, que ainda é quase misteriosa, mesmo que muito se fale dela, os comportamentos, são algo ainda incompreensível!
Beijinhos
Já está aqui a mãozinha, da minha amiga, em funcionamento, e já estou a conseguir, estava desanimada...è sempre à mesma a quem recorro.
Obrigada, obrigada
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