Mãe e filho de mãos dadas trilhando os caminhos do autismo/asperger.
Numa partilha intimista e de coração aberto em sonhos e desalentos, numa vida vivida...
Ter um filho asperger não é o fim do mundo, mas o princípio de uma nova vida...
Valorizando os afectos...

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

"Autismo- Antes do diagnóstico"

Vamos esperar. A frase repete-se. Ocasionalmente substituída por outras, que são mais sinónimos: " Ainda é cedo, cada um tem o seu ritmo, tem pouco contacto com as outras crianças , nasceu um irmão..." O pediatra , a educadora os avós, o pai, a amiga... Todos vão dizendo que o coração da mãe, silencioso, grita para ouvir. Há sempre um caso que era semelhante que depois ficou bem. O tempo, os anjos, a fé e outros impulsionadores encarregar-se-ão delegados por Deus, maior ou menor, mas jamais indiferente a um pedido maternal. Não há que dramatizar..
Confiar é a palavra que a mãe tropeça todos os dias. E cada "caso semelhante", cada frase oferecida , é um bálsamo para a dor que se começa a instalar. Uma dor que vai chegando devagar. Silenciosa, subtil. Um olhar que se desvaneceu como um reflexo, palavras que foram desaparecendo e nunca mais foram ditas, um abraço que não se prolonga e uma distância que se vai estendendo. Entre um pintor e a criança que se desenha a si própria... Indiferente às cores que a mãe traz nos seus pincéis. Uma obra prima. Certamente.
Mas que se destaca na galeria da infância.Diferente de outros quadros.
Mas serão os olhos da mãe? Entre um passo de certeza e outro de dúvida, começa o olhar atento. Na festa, na saída da escola, no parque. Observam-se os outros da mesma idade, numa ânsia de medidas e comparações que se vão tornando claras, como os contornos no amanhecer. Depois começam as leituras. Nos livros, na Internet, juntando as peças do puzzle. E a certeza vai crescendo. A par dos indícios de um problema que se vai insinuando, espreitam sinais nas leituras ou numa partilha mais íntima, de que há "algo a fazer". E, independentemente das dúvidas, parece haver unanimidade quanto à importância de uma intervenção precoce. As crianças que iniciam a terapia mais cedo têm melhores resultados. Esta verdade é transversal às páginas da Internet, às folhas dos livros e das revistas às experiências que se vão ouvindo. E esta certeza cria uma urgência nos pais. O " esperar para ver" tornasse angustiante enquanto revelador de uma passividade, que tem pouco de transformadora. E os pais começam a sentir-se espectadores de um cenário que se desenrola num sentido aparentemente aleatório.
E se a Natureza se tiver enganado? E se houver de facto, um problema? Quanto tempo foi desperdiçado? Entre os pecados do excesso e do defeito, qual traz mais serenidade ao olhar para trás? Qual evita que a pergunta " e se tivéssemos começado mais cedo" se deite com os pais e acorde com eles?
Nesta viagem de meses às vezes anos, chega o momento. A porta do gabinete abre-se, os passos da criança antecedem os dos pais. Como se guiasse o caminho. A mãe inspira, até às profundezas da dor, ao avesso dos seus medos e expira, revestida da fortaleza que será sempre, guardando a cidade de que é aquele pequeno ser, como se de um útero se tratasse.
E pergunta. Olhos nos olhos de quem vai responder o que ela já sabe. Porque o tempo de espera terminou e inicia-se outra etapa. "Diga-me, o que é que o meu filho tem?"
Por Carla Almeida- Núcleo das Perturbações do Espectro do Autismo (Cadin)
Texto transcrito de uma revista de 2010

8 comentários:

Atena disse...

Mina, que texto soberbo. Fez-me chorar com ele... (Às vezes também faz falta).
Beijinho grande

Mina disse...

Atena
Também achei que esta escrito com sentimento, que muitas de nós já passamos.
E por isso me dei ao trabalho de o trancrever, se houver algum lapso, foi da transcrição eheheh
Esta revista já era do ano passado, estava uma amiga a desfolhar e disse-me tenho aqui esta página p'ra ti que eu trouxe com muito gosto, e p'ra aqui passei...
Há muitos anos que digo que coração de mãe não se engana, por muito que me tivessem desviado deste diagnóstico, sempre foi nele que eu acreditei... E está visível que não me enganei...
Bjinhos grandes p'ra vocês

Temos sentido a tua falta, espero que esteja tudo bem...

Mrs_Noris disse...

É isso mesmo! No meu caso a resposta foi vaga, do tipo: tem um problema de relação e de comunicação.
Mais tarde procurei uma segunda opinião. E uma terceira... ambas não coincidentes com a primeira, o que até me trouxe um certo alívio, mesmo sabendo que estavam erradas. Dizem que no 5.º ano é que começam os problemas, certo? Até lá, vou aproveitando o melhor do filho, na esperança que essa teoria agoirenta caia por terra.
Beijinhos.

Mina disse...

Noris
O M. está com uma evolução muito boa, não se me augura grandes complicações p'ra essa 2ª. fase.
Contrariamente ao caso do meu filho, que os tempos eram outros e que desvalorizaram tantas das características que ele já tinha na altura mas ainda nem informação a maioria das pessoas ligadas á saúde tinha. E agora pergunto eu se o meu filho tivesse tido as terapias e o diagnnóstico atempadamente!!!? Seria diferente!!!?
No caso do M. pode ter sido o contrário o que não é necessáriamente mau, retirando o susto ou embate que os pais levam, obriga-os a fazer os impossíveis para que aquilo que lhes dão por garantido, se transforme e consigam alterar esse rumo.
E o M. está a léguas de estar neste mundo isolado do autismo, digo eu que sou uma leiga na matéria :-)
Bjinhos

Fê blue bird disse...

Emocionei-me minha amiga, nem sei o que escrever, porque há momentos que não têm palavras.

Beijinhos e bom fim de semana

Mina disse...

Prima Fê...
Este texto realmente diz tudo, o que uma mãe ou familiar próximo pode sentir, as dúvidas as angústias que estão latentes á procura de respostas...
bjinhos e bom fim de semana

Anónimo disse...

"parece haver unanimidade quanto à importância de uma intervenção precoce. As crianças que iniciam a terapia mais cedo têm melhores resultados. "

Como a autora diz, isso é uma teoria quase unânime, mas eu (que não tenho qualquer formação ou experiência sobre o assunto, atenção) interrogo-mo como se pode ter certeza disso, já que não é possivel comparar realmente o precurso das crianças que têm diagnóstico e intervenção precoce com o das que não o têm.

Explicando o que quero dizer - uma criança que tenha intervenção precoce e melhore, conta como uma caso em que "a intervenção precoce foi positiva"; mas se uma criança que não tenha tido diagnostico nem intervenção precoce melhora, é muito provável que nunca venha a ser diagnosticada, logo não vai contar para os estudos e estatísticas como um caso em que "a intervenção precoce não foi necessária".

A minha dúvida ainda é mais forte no caso da Síndrome de Asperger - estamos a falar de uma condição que só foi reconhecida "oficialmente" no principio dos anos 90, e que ainda demorou algum tempo a ganhar divulgação, ou seja, as crianças que tiverem diagnóstico e intervenção precoce para a SA estão agora, no máximo, a chegar à idade adulta - penso que ainda se sabe tão pouco acerca de como vai ser a vida dessas crianças que me parece difícil fazer pronunciamentos categóricos acerca dos resultados da intervenção precoce.

Repito - eu não tenho qualquer formação especial para falar (e seguramente percebo menos do assunto do que, quer a autora do blogue, quer a autora do texto); isto é apenas uma opinião que espero não levem a mal.

Mina disse...

Caro/a anónimo

Entendo os seus argumentos, eu também aquilo que sei é pela experiência... Não posso avaliar se o meu filho agora adulto tivesse tido um diagnóstico precoce e terapias ajustadas se seria hoje um adulto diferente.
Mas sei, que poderia ter investido nele de outra forma tornando mais autonomo, não sei se teria resultado não!!!? Também não sei!!!Pensamos sempre que eles crescem e se tornam autonomos, neste caso não e talvez por minha culpa. que me foquei mais nos afectos e na protecção mesmo não sabendo o diagnóstico, sempre foi este o que o meu coração de mãe me ditou...
E como se dizia que os meninos eram autistas por falta de afcto da parte das mães o meu não havia de padecer desse mal!!!
Penso que se antes se pecava por defeito agora é por excesso, e haverá muitos casos que o deixaram de ser, porque provavelmente nunca o foram... Mas isto é apenas a minha opinião de leiga...
Um abraço e seja bem vindo